
Olha para o espelho, ele conhece-te melhor que tu próprio e sabe quais as arestas a limar. Revira os olhos, saliva, sorri, grita, cospe. Ele persegue-te e por mais embaciado que esteja consegue definir os contornos do ser que tu não entendes. Deslocas-te com velocidade, olhas para trás desconfiado, respiras ofegante e sabes que a próxima saída vai estar fechada com os teus medos. Mudas de caminho e corres até sentires os músculos pedirem perdão por não acompanharem a raiva da tua mede. Quando cais sem conheceres o local em teu redor pensas que a fraqueza avistada no espelho foi mais forte e que te corroeu por completo.
Com a pele das mãos arranhada e o olhar turvo pela queda, sentes o odor frio da terra e associas a falta de vida ao teu Eu. Sentes que não poderás avançar mais e que a folha verde que vês ao longe não te pertence. Passam por ti, pisam-te os dedos das mãos feridas e por retaliação sofres em silêncio, engolindo o gemido da dor. Tentas rastejar, mas sentes-te preso pelas raízes da terra que teimam em puxar-te para baixo e a sufocar-te. Deixas de acreditar que vai ser possível, sentes o atrofio das veias e o teu sangue gela pelo arrepio da solidão. Como última prova de desespero deixas escapar a lágrima mais humilhante que te percorre o rosto como uma faca aguçada, cheia de mágoa e pronta a perfurar-te. Respiras lentamente. respiras… respiras… lentamente…
A lágrima toca na terra que há segundos te quis desfazer e faz-te abrir os olhos. Recuperas a visão e, apesar da proximidade com o vulto verde, consegues decifrar o desenho da folha verde que toca o teu rosto e que viste ao longe quando caíste. Sentes o músculo da boca a querer despertar e levantas a cabeça em direcção ao sol, sentindo em simultâneo o rasgar do sorriso. Entendes que nem tudo depende de ti e que a Força maior vem quando mais precisas. Num impulso animal, levantas-te do chão, olhas em frente, limpas o sangue das mãos feridas e respiras o céu com tanta força que te tornas na Liberdade. Com a folha verde bem apertada na tua mão corres com um destino planeado. Chegas até ao espelho, beijas a folha para te apropriares da energia da natureza e pensas em voz baixa para ti “vais ser feliz”. Agora ris em voz alta e partes o espelho em centenas de fragmentos. Juntas agora os pedaços que desejas e constróis a tua vida, a tua realidade, o teu Eu. A felicidade é tua.